Caminho (in)certo

“Um ciclo fecha-se. Um fecho para o qual não sei se estou preparada. Sinto-me pequena, indefesa e, de repente, tenho um mundo às costas. Mandam-me tomar decisões que vão dar rumo à minha vida. Mas ainda ontem a minha mãe me decidia a roupa que ia levar hoje para a escola. E amanhã tenho de ir fazer compras, pagar contas, organizar uma casa sozinha. Como se já não precisasse que fizessem isso por mim. Mas preciso. Preciso de voltar à minha mãe todos os dias, preciso que ela continue a tomar conta de mim e que seja a dona de minha casa. Da nossa casa. Queria voltar a ser a criança que já fui, mas obrigam-me a ser a mulher que ainda não sou. Deixo para trás a escola que me viu crescer, a casa onde preciso de voltar todos os dias, recordações intemporais, o colo que me embalou toda a vida, os que se tornaram a minha rede. Deixo de estar nos jantares de domingo. Uma nova realidade, um novo sítio, uma nova missão. Talvez até uma nova pessoa. Mas sem nunca deixar para trás aquela que regressa a casa todos os dias.”

Encontrei esta nota no meu telemóvel. Foi escrita há três anos, quando estava prestes a entrar para a faculdade. Tinha consciência de que tudo estava prestes a mudar. Tinha dúvidas, medo, inseguranças e, ao mesmo tempo, o entusiasmo de quem sabe que tem um novo mundo à espera. Estava longe de saber tudo o que estava para vir. Parte superior do formulário

Coimbra estava à minha espera, a Coimbra dos amores e dos doutores, a Coimbra descrita com encanto, a do espírito académico incomparável. O cortejo da latada e da queima, as noites académicas, os trajes e as serenatas. Imaginei tudo. Só não imaginei que nada disso seria suficiente para me fazer sentir completa. Não imaginei que cada semana fosse um sacrifício, não imaginei que cada aula me desse a certeza de que não era ali que queria estar, não imaginei que o meu ano de caloira não fosse “um dos melhores anos da minha vida”.

Lutei contra mim mesma. Lutei contra tudo o que sentia. Tentei convencer-me de que seria feliz ali. Mas nunca fui. Tentei convencer-me de que seria capaz, de forma milagrosa, de ultrapassar a espiral negativa em que me estava a deixar cair. Afinal aquela tinha sido a minha escolha. Mas as nossas escolhas nem sempre são as certas, pois não?

Durante um ano, o meu lado racional tentava dizer-me que sim, que aquela tinha sido a escolha certa. Mas o meu lado emocional já tinha decidido, há muito tempo, que aquilo estava longe de ser uma escolha certa. E, por isso, acabou por ganhar. E eu também ganhei muito nesse ano, mesmo que me tenha perdido.

Percebi a tempo que ninguém tem de ficar agarrado a uma ideia ilusória de felicidade. Percebi a tempo que ninguém deve enganar-se a si próprio, nem culpar-se por não encontrar o seu caminho. Demorei um ano a perceber que não podia ficar presa a um lugar que não era o meu. Durante esse ano perdi-me, mas também encontrei em mim muita coisa que não sabia que existia. Demorei um ano a perceber que a minha vida dependia das minhas escolhas, mas percebi. E a partir daí, podiam dizer o que quisessem. Quando decidi dentro de mim que o meu lugar era outro, já ninguém me podia dizer o contrário.

O que queres ser quando fores grande? Bombeiro? Professor? Advogado? Feliz. Canalizador? Bailarino? Médico? Feliz. Quando for grande quero ser feliz.

Foi por perceber isto que, há dois anos, não voltei para Coimbra. Dizem que não se volta aos sítios onde já fomos felizes, mas eu acho que não se volta para os sítios onde fomos infelizes. E eu não voltei. Mudei de curso, de cidade e com isso mudei muita coisa. Mudei-me a mim. Fui à procura do meu lugar ao sol. Mantive apenas uma coisa: a miúda que, de uma forma ou de outra, regressa a casa todos os dias.

 Não precisava que quase ninguém aprovasse a minha decisão, mas a verdade é que sabe bem quando as pessoas à volta percebem o valor da nossa escolha. Há algum tempo, depois de ver um dos meus trabalhos, uma pessoa mandou-me uma mensagem que dizia: “Agora percebo porque é que lutaste tanto para fazeres aquilo que gostas e ainda bem que o fizeste”. E isso dá-me ainda mais certeza de ter feito a escolha certa, não porque os outros o dizem, mas porque são capazes de ver o que se reflete em mim.

Hoje, passado três anos, regresso ao Porto para o último ano da minha Licenciatura em Ciências da Comunicação. Há sete, poucos dias antes de perder o meu pai, uma amiga perguntou-lhe o que gostava que eu e a minha irmã fizéssemos. Lembro-me bem da resposta. O que nos fizesse felizes. Não te preocupes papá, acho que estou no caminho certo.  E sempre ouvi dizer que o caminho se faz caminhando.

Marta Pires.

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2 comentários em “Caminho (in)certo

  1. tenho o privilégio (e que privilégio!) de conhecer a marta. uma menina mulher incrível. conheço-a há mais de 12 anos e consegue sempre surpreender-me um bocadinho mais. não há como esta miúda, garanto. esta é, tão literal quanto possível, a história verídica da vida dela. só quem conhece sabe, só quem conhece sabe a força inesgotável dela. eternamente tua amiga, martinha <333 obrigada por essa honra!!!

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