Ansiedade extrema e pânico. Não tenha medo! (parte 1)

Em consulta quando estou a tratar pacientes com transtorno de pânico, costumo contar uma história que eu criei para lhes ilustrar o que é o pânico, qual a sua força e como dominá-lo.

“Imagine que está a ter o pior ataque de pânico que alguma vez teve na sua vida, esta a suar por todo lado, o seu coração esta tão acelerado que parece que lhe vai saltar do peito, a sua respiração esta tão pesada que não consegue respirar, tem a sensação que está perdido, desorientado, que vai perder o controlo, desabar a qualquer momento, tem a clara perceção de que vai morrer ali mesmo….

Agora imagine que naquele preciso momento em que o seu mundo estava a desabar e que se sente “às portas da morte”, entra um leão, ou uma cobra venenosa pela porta adentro!”

O que é que você fazia?

  1. Continuava a ter o ataque de pânico?
  2. Ou fugia o mais rápido possível para um local seguro e longe do perigo?

Qualquer pessoa com ou sem transtorno de pânico, vai responder a opção B: fugia até estar longe do perigo, e fazem bem porque ninguém quer estar cara a cara com uma cobra venenosa ou com um leão faminto.

E então se, em vez de estar a ter um ataque de pânico, estivesse a ter uma paragem cardiorrespiratória, ou um Acidente Vascular Cerebral ou um choque anafilático?

Que opção escolhia?

  1. Parava a paragem cardiorrespiratória e fugia.
  2. Parava o Acidente Vascular Cerebral e fugia.
  3. Parava o choque anafilático e fugia.
  4. Não consigo parar nenhum destes sintomas porque não tenho controlo sobre eles. Provavelmente era comido pelo leão ou mordido pela cobra.

Aqui a resposta certa é a D, porque ninguém consegue controlar a cadeia de eventos que acontecem nestas situações clínicas para fugir para um lugar seguro.

Esta é a força que tem um ataque de pânico e é disto que se alimenta, da insegurança, do medo e de uma interpretação desadequada do que esta acontecer.

O ansioso é talvez o mais incompreendido e, em certos aspetos, o mais heróico dos pacientes que frequentam as Clínicas e Hospitais:
A sua ferida não se vê, mas sangra sofrimento e agonia. Falta-lhe o ar, mas não tem asma. Sua, mas não está calor. Tem a boca seca, mas não tem sede. Os seus braços ficam dormentes e o seu coração acelera sem ter tido nenhum AVC ou sequer princípio de uma paragem cardiorrespiratória. Sente-se frequentemente desorientado, sem sair do mesmo sítio. Perde-se em sofrimento no contacto com pessoas, só se encontra quando está sozinho. Só se sente seguro quando está isolado em casa, ou em alguns casos, entregue a rituais e obsessões que lhe dão a segurança e que não encontra em lado nenhum.

O Ansioso vai morrendo e nascendo várias vezes durante semanas, meses e anos, vendo a sua condição, muitas vezes desvalorizada por familiares e amigos e a sua esperança de se erguer e ser “normal” um dia, esmagada debaixo de sucessivas prescrições de ansiolíticos e antidepressivos. Vive encapsulado dentro de uma retórica clínica de adormecimento do indivíduo, que o afasta da cura através do “insight” e o convence, erradamente, que é fraco, doente e que está a endoidecer…

Mas quem sofre de ansiedade, esta longe de estar a endoidecer ou de ser fraco, na verdade, hoje sabemos que este transtorno aparece, maioritariamente em indivíduos com elevada criatividade, capacidade intelectual e flexibilidade mental.

Parece existir em alguns membros da nossa espécie, (3 em cada 7), uma condição de hipersensibilidade em certas redes neuronais que estão ligadas ao medo, nomeadamente, a “dirty road”, que provocam estado de alerta desadequado e agitação psicomotora, em resumo, ansiedade.

Este facto promove a utilização desapropriada desta rede para situações que não são de ameaça, mas que se prendem com eventos da vida social ou intra relacional, criando correlações imprecisas sobre estes eventos e o seu estado físico, que o fazem ficar preso num ciclo de medo e do medo de ter medo.

Estas correlações surgem porque o nosso cérebro precisa que os estímulos que nos chegam do meio façam sentido e, por isso, procura pistas para melhor explicar aqueles sinais físicos, ou seja, procura consciencializar o que sente.

E é precisamente aqui, neste processo de consciencialização, que reside a esperança e cura do ansioso.

Este neuro circuito é chamado de “dirty road” porque nos faz agir rapidamente, mas é pouco preciso na análise real daquilo que nos está a colocar em perigo. Serve para nos fazer agir rapidamente, sem perder muito tempo a processar a informação.

Facilmente se entende a extrema utilidade deste neuro circuito quando há mais de 50.000 anos atrás caminhávamos em florestas empestadas de cobras venenosa, a ser caçados por tigres dentes de sabre, ou emboscados por outros grupos rivais.

Não teria corrido muito bem à nossa espécie, se os nossos primos da savana ancestral, em vez de fugirem, tivessem ficado para trás a verificar se aquela cobra seria mesmo das “perigosas”, se aquele animal era carnívoro ou herbívoro ou se aquele vulto atrás da arvore era do meu grupo ou de outro rival.

A solução evolutiva que o nosso “cérebro” encontrou para garantir a nossa sobrevivência foi a de generalizar o medo em grupos grandes e criar um neuro-circuito que nos permitisse agir com muito pouca informação e só depois avaliar.

Porque ao contrário do que a maior parte das pessoas pensam, nos estamos feitos para fugir e depois ter medo e não ao contrário, ter medo e fugir.

Como vários estudos de psicofisiologia demostraram, a resposta física acontece primeiro que a resposta emocional, através de um circuito que vai direto a uma região primitiva do nosso cérebro, a amígdala.

Quem nunca apanhou um grande susto ao entrar num quarto às escuras porque pensou que viu um vulto atrás de si ou uma silhueta que lhe parecia uma cobra ou um homem escondido atrás da porta?

A resposta nestas ocasiões é exatamente essa, primeiro física, ou seja o corpo é preparado para lutar ou fugir através de uma forte ativação física (aumento de adrenalina, aumento da pulsação, sudação e frequência respiratória) e só depois é que o nosso córtex pré-frontal analisa se deve ter medo e criar um registo mnésico daquela situação, ou se deve ver aquela resposta como desadequada por não existir qualquer perigo real.

Qualquer ansioso percebeu que acabei de descrever em cima um ataque de pânico, e é exatamente por isso que falo sobre isto. É importante entender que é através do processo de consciencialização deste circuito, saber para que se serve e como se desativa, que o ansioso tem acesso ao seu processo de tratamento.

Uma curiosidade interessante: no princípio do século XX quando inauguraram as primeiras escadas rolantes nos Estados Unidos, nos armazéns Macy´s em Nova Iorque, durante anos, tiveram que colocar funcionários nas extremidades das escadas com sais para as pessoas tomarem porque tinham ataques de pânico ao andarem nas escadas rolantes.

(Continua.)

 

Nota sobre o autor

Dr. Alexandre Machado, 

-British Psychological Society-Chartered Psychologist 
 
– International Neuropsychological Society- Full Member  
 
-Neuropsychology Division Member-DoN British Psychological Society

-European Certificated Psychologist – EuroPsy
 
-Ordem dos Psicólogos Portugueses- Membro efetivo 
 
-Mestre em Neuropsicologia pela Universidade Católica de Portuguesa 
 
-Doutorando em Ciências da Cognição e Linguagem pela Universidade  Católica  Portuguesa 
 
-Especialista condecorado em Operações Psicológicas Militares – Avaliação e Previsão de Comportamentos, Mediação de Conflitos.
 

-Instrutor convidado Especialista em Combate Corpo a Corpo -USA Army / DAE- Destacamento Acções Especiais Fuzileiros 
 
-Competidor e Professor de Jiu Jitsu Consagrado, 30 x Medalhado em Campeonatos Mundiais, Europeus e Opens Internacionais.
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4 comentários em “Ansiedade extrema e pânico. Não tenha medo! (parte 1)

  1. Os sintomas descritos, estes malditos sintomas, que por muito que eu saiba que não são “reais”, que no momento do ataque nada daquilo que sinto é real, o meu cérebro não consegue dissociar aquilo que eu sei que não é real e faz-me sentir a garganta seca, a dor no peito, o braço dormente e uma confusão tremenda. Depois passa, momentaneamente, aquele momento de êxtase acalma para daqui a alguns momentos voltar mais forte ou mais leve, nunca se sabe!
    Tento controlar a vontade de não tomar um victan, tento ser forte, mas por vezes não dá, a dor é tão forte, a necessidade de ter de parecer que estou bem perante a família, amigos é tanta que tenho de recorrer aquele maldito comprimido, que tanto me acalma mas que tanto me faz desabar porque me lembra que não fui capaz de ultrapassar mais uma crise! Estas malditas crises!

  2. Esse comentario descreveu me….
    Tambem eu tenho saudades minhas… de me sentir normal…. sem ter estes ataques horriveis…. esta sensacao de que tudo vai mal na minha vida…. vamos acreditar que um dia estaremos curadas?

  3. Excelente artigo. Tive ataques de pânico (começaram quando era aluna de Direito) durante cerca de uma década. Hoje já são raros e já os controlo. Nunca li uma explicação tão completa e útil.
    Obrigada
    Parabéns! ? ?
    Dulce

  4. Boa noite, confesso que sofro imenso com esse transtorno, já tive um ano sem sair de casa e agora sozinha ainda tenho dificuldade e o pior as pessoas acham que é comodismo, este medo irracional que não nos deixa viver. Tenho muitas saudades minhas

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