Ainda os Cravos

Há 46 anos fazia-se história em Portugal. Já se tinha feito antes e também se fez depois. Mas naquele dia não se fez só história. Fez-se A História de Portugal. Desse país que muitos dizem amar e que relativamente poucos tem o privilégio de sentir. Desse país que conquistou a Liberdade com flores. A 25 de Abril não se conquistava só a liberdade, mas todas as coisas que puderam chegar com ela. E que nunca nos esqueçamos que, se hoje encontramos a liberdade ao virar das esquinas, foi preciso que alguém as desdobrasse.

Todos nos conhecem o Cristiano Ronaldo. E sabemos que, de facto, nos representa muito bem. Mas conhecem-nos mais do que isso. Sabem da nossa longa costa, do nosso bacalhau, dos nossos vinhos. Maravilham-se com as paisagens de norte a sul país, gabam-nos o clima. Elogiam-nos a hospitalidade e prometem voltar muitas vezes. Mas também nos conhecem o Eusébio, a Amália e o fado e talvez saibam que, em algum momento da nossa história, os cravos se tornaram a nossa bandeira. Mas talvez não saibam de Zeca Afonso, de Sérgio Godinho. E perdem muito com isso. Ainda assim, dizemos-lhes o seguinte, para que possam tentar senti-lo:

“Em cada esquina, um amigo
Em cada rosto, igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto, igualdade
O povo é quem mais ordena”

E se com isto não estiverem convencidos, dizemos ainda:

“Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem-vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também.”

Se ainda não tiverem percebido, não sei que vos diga. Quem vem, conhece o país que escreveu a sua própria história.  Conhece o país dos Descobrimentos, mas também dos velhos do Restelo. Conhece as nossas conquistas e as nossas derrotas. Conhece a forma como ficamos agarrados ao ecrã a ver a nossa seleção. Sabe que choramos no momento em que o Ronaldo chora, que gritamos para dentro do campo no momento em que ele grita e que as lágrimas são genuínas no momento do apito afinal. E atrevo-me também a dizer que ficam a saber que a cerveja se torna uma amiga nessas alturas e que, sem grande esforço, lhes pagamos um copo para brindarem connosco.

Conhecem o país. Conhecem-nos a nós. Com os nossos defeitos, com as nossas manias. Com a nossa facilidade de desenrascar. Com as nossas lutas. E vou mais longe: ficam a saber, se se permitirem a isso, o que é afinal a saudade.

Portugal. 25 de Abril de 2020. Vamos voltar a conquistar a liberdade. E as melhores armas continuam a ser as mesmas. Somos nós. E talvez os cravos.

Nota sobre a autora

Marta Pires, uma miúda que aprecia as coisas simples da vida, 20 anos, aluna de Ciências de Comunicação.

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