A mãe promete que volta

O carro deslizou pela gravilha, com a força de um trovão seco que invade a paz de um final de tarde de agosto. Finalmente podia parar de se concentrar na estrada e podia focar-se na sua dor. As lágrimas grossas e salgadas inundavam os olhos inchados. Os gritos mudos. Era como se a dor lhe tivesse retirado toda a força, toda a vitalidade.

Debruçou-se sobre o volante, e gritou. O grito sempre mudo, a dor tinha engolido o som. O sufoco era real. A dor lancinante. Puxou a pala do carro, olhou ao espelho e, com a manga do casaco que a madrugada obrigava a vestir, limpou as lágrimas.

Melhor, não as limpou, que estas eram teimosas. Tinham a quem sair, pensou ela, por entre um sorriso de dor. Secou as bochechas e desejou que ninguém a olhasse.

Saiu do carro. O tempo avançava, não podia dar-se ao luxo de ter tempo, para dar tempo à dor! Esse luxo, ela não tinha.

Estava acordada desde cedo, há quatro meses que sabia que o sono não era uma prioridade. As prioridades tinham mudado. A miúda forte, sempre com as respostas na ponta da língua, sem medos, deu lugar à mãe que continua a ter a força de leoa, mas que sente medo e insegurança a cada decisão que tenha de tomar. Não havia disciplina para esta matéria, livro de instruções.

Ao fim de 120 dias, teve de regressar ao trabalho. Não, não era o trabalho de sempre que a intimidava. O que a sufocava era ter de deixar o que de mais precioso a vida lhe deu. Como iria ele sobreviver sem ela?

O mundo dele era ela.

E ela abandonou-o.

A sensação de culpa era enorme, sufocante, agoniaste. E se o leite faltasse? E se a falta do cheiro dela o impedisse de dormir? E se ele chorasse todo o dia? E se no final do dia não quisesse o colo dela? E se não quisesse o seu peito? Será que ficou magoada com ela? Será que não a vai amar? E se descobrir melhores portos de abrigo?

A cara estava no chão, como a sua alma.

Nesta dissertação da alma, ouvia a outra voz. Precisava de voltar a ser, profissional, mulher, amiga, colega, para ser boa mãe. Todavia esta voz era apenas um sussurro que o grito da alma abafava.

Levantou a cabeça, e entrou.

Disse um bom dia, com a voz mais forte que conseguiu fazer. Mas o inchaço da cara e a vermelhidão dos olhos denunciaram-na. Percebeu os olhares e a merdas das lágrimas rolaram.

Enfiou a cara no trabalho. Houve um silêncio de solidariedade, ouve a troca de experiência. Queria mandar tudo para o car$#%&, mas precisava de se controlar. Compreendia o que lhe diziam, mas foi ela que naquele dia, abandonou um pedaço de si. Eram sete da manhã, quando o entregou ele dormia sossegado. Ela ,cobarde, não o acordou, deu um beijo repenicado e prometeu voltar no final do dia. Jurou-lhe que não era abandono. Mas ele não ouviu a promessa…

O tempo congelou, o relógio parou. Nunca mais é o fim de dia!

Nota sobre a autora

O meu nome é Inês Pina.

Sou uma marrona que não gosta de estudar, uma preguiçosa trabalhadora e uma fala-barato solitária.

Partilhe nas Redes Sociais
FacebookTwitterPinterest

2 comentários em “A mãe promete que volta

  1. As lágrimas invadem a nossa cara e dizem-me que então não tenho cara para atender pessoas.
    O melhor será cortar a cabeça.

  2. Minha querida Inês, após a maternidade tudo fica difícil, o regresso ao trabalho é sempre difícil, eu deixei a minha bebé com a minha mãe, talvez isso me deu outro alento e força para voltar, foi difícil porque um ano depois mudei a minha vida toda, pela minha filha, um processo que continua de mudança de área de trabalho, sempre trabalhei em restauração uma área onde não há horários certos, e como saía tarde resolvi mudar tudo porque queria ser a mãe com tempo para a filha, porque desde que me lembro que quero ser mãe, quando realizei o sonho, não queria desiludir a minha filha e estou ainda na mudança, mas não me arrependo nada, porque o tempo que passo com ela compensa muito ❤️ desejo-te toda a sorte do mundo e apesar da dificuldade das decisões vale tudo a pena pelos nossos pequenos beijinhos

Deixe uma resposta

* Campos obrigatórios