A domadora de palavras

Não me lembro da primeira história que li sua. Talvez tenha sido “A árvore das patacas e sementes de macarrão” que me suscitaram a curiosidade. Ou, quem sabe, talvez tenham sido as lengalengas que iam sendo repetidas por mim enquanto criança e que ainda hoje sei de cor: “Vale mais sê-lo que parecê-lo, mas não parecê-lo e não sê-lo, vale mais não parecê-lo”.

Provenho de uma família onde os recursos económicos não permitiam esbanjamento, todavia, a literatura fora desde sempre algo que fazia a minha mãe investir. Sabia ela, com certeza, que não se tratava apenas de um investimento em papel… Era um investimento em cultura, em instrução, em curiosidade e num futuro, com certeza, mais solarengo. De todos os que pairavam na estante da pequena biblioteca que eu ostentava no meu quarto, “Os ovos misteriosos” era o meu preferido. Era a lombada colorida que me fazia brilhar o olhar e, sem tempo para dúvidas, abraçava-o em primeiro lugar quando regressava da escola. Fazia-me rir e despertava-me curiosidade. E o “Abecedário maluco”? O que me fazia olhar para o teto do quarto em busca de ideias que me permitissem criar o meu próprio abecedário e procurar rimas para o meu nome. Na verdade… Na verdade o mérito da minha curiosidade está na escritora que a minha mãe selecionava para me presentear… A “domadora de palavras”, tal como a própria define um escritor. E tal como eu a defino a ela. Luísa Ducla Soares. A grande, enorme, gigante Luísa Ducla Soares.

Luísa Ducla Soares nasceu a 20 de Julho de 1939, às 2 da manhã. Uma falta de educação e de pontualidade – diz ela hoje com alegria e humor, 81 anos volvidos. Olhos azuis bonitos aqueles que chegaram nesse dia a este mundo. E coração encantador… Encantador e com eterna capacidade de espanto! E o que poderemos pedir mais à vida se não amor e capacidade de espanto?

A escritora acompanhou a minha infância, o meu crescimento e hoje acompanha o crescimento dos meus filhos. Fá-lo sem custo. Fá-lo devido ao amor que construí e mantenho por cada uma das suas obras. Concedo-lhe, aos meus olhos, o galardão de autora com maior imaginação, criatividade e inteligência. A par disso, é, provavelmente, quem melhor consegue escrever fundindo o amor e o humor. Humor esse que não caberia numa pequena casquinha de noz, como o pequeno “Ratinho Marinheiro” – uma obra que tanto me marcou e fez sonhar. E amor esse que também não caberia num dos cálices usados pelo pequeno vampiro que bebida uma bebida vermelha… A groselha!

A par da sua magnificência nas palavras escritas, são também os seus gestos e as suas atitudes que me fazem venerá-la. A preocupação com os outros, a entrega às grandes causas e… A entrega às causas pequeninas. A preocupação com os jovens que usam óculos desde tenra idade, tal como a Rita, a personagem do seu livro que aborda esta temática, é disso exemplo. E a preocupação com um mundo onde aventureiros tentam desbravar terreno alheio e a quem ela, sábia e experiente, invariavelmente estende a mão. Não esquecerei nunca o nosso primeiro contacto: escrevi-lhe um e-mail depositando pouca esperança na resposta. Afinal, uma autora de tal grandiosidade não teria tempo para responder a alguém como eu, tão “verde” no mundo da literatura – pensei. O e-mail levava um pedido de autoria do prefácio do meu primeiro livro. Quando surgiu a proposta de edição deste livro, não tardou a surgir-me em mente a pessoa que eu gostaria de ter ali, naquela que era a minha primeira aventura literária. A pessoa bonita a quem eu gostaria de atribuir espaço para palavras. E… A resposta surgiu. Mais: a resposta surgiu repleta de carinho e, admito, tornou-me tão mais feliz.

Luísa Ducla Soares rapidamente concretizou o meu pedido e tratou, ainda, de incrementar nele a sua palavra de aconchego, de elogio e de incentivo à minha continuidade no mundo das palavras escritas.

Ainda estão aí? Estão “Todos no sofá?”, como dia a escritora noutra sua obra que hoje é a preferida do meu filho mais velho. Desculpem… Desculpem-me pela imensidão de palavras ditas, mas o tamanho literário da autora e da pessoa assim o exigem. Afinal, ela será sempre a e para sempre a minha “Fada Palavrinha” ou, aliás, a minha “Gigante das Bibliotecas”. Eu tenho um sonho: passar tempo com esta senhora, partilhar com ela, quem sabe, um chá e ouvi-la. Ouvir as suas histórias, o reflexo da sua vida repleta de misticismo, e… Continuar a ouvi-la. Porque nada há de mais maravilhoso do que aprender com quem sabe. E a Luísa sabe tanto… Tanto.

Nota sobre a autora:

Corria a década de 80 quando Évora viu nascer a Tânia Caiado Amaral. Rebelde e franzina, de olhos azuis e caracóis loiros, a sua infância decorreu na aldeia de Brejoeira (Coruche). Cresceu rodeada pela natureza, fez viagens de bicicleta ao por do sol, saltou nas poças de água e guarda até hoje o cheiro a terra molhada da sua infância. Rumou a Lisboa com 18 anos para dar continuidade ao seu sonho de estudar. Hoje é enfermeira, especialista em pediatria, e é nas crianças que continua a depositar a esperança de um mundo onde a reine a alegria de ser livre. Apaixonada pela escrita e pela natureza. Autora de livros infantis. Apaixonada por pessoas: é nos seus filhos e no seu marido que encontra a sua maior fonte de amor e inspiração. Apaixonada pela vida.

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