A cidade que se espreguiça

Quando a luz rompe a escuridão da noite, a cidade espreguiça-se e inicia o seu ritual. Aos poucos veste a tonalidade do dia. No caso, o dia amanhecia em rosa. O rosa dos sonhos. O rosa da fantasia. Só o dia nos dá a oportunidade de correr atrás dos sonhos. Amanhecia com a tonalidade certa para o presságio da noite de sonho. Amanhecia para dar força a quem se espreguiça com a cidade.

No ritual da manhã, enquanto se veste para mais um dia, a cidade prepara ainda a sua banda sonora. Começa com um burburinho, ela gosta de bebericar o seu café ainda na penumbra do silêncio. É um ritual que ela tem desde os primórdios. Só o burburinho lhe permite a concentração certa para afinar os detalhes do grande dia.

É importante preparar cada detalhe.

O dia é um festival cheio de rituais que a cidade gosta de cumprir.

Nada pode falhar.

É no dia que se realizam os sonhos, se cumprem as metas e se dá forma aos planos traçados no papel.

À medida que se cumpre o ritual o dia vai progredindo. São os madrugadores os cúmplices destes rituais minuciosos que a cidade faz todos os dias com o mesmo rigor e com o mesmo preciosismo.

A cidade é feliz a preparar-se para o dia. O seu único lamento é que os seus transeuntes não sejam espetadores atentos do seu ritual. Atravessam-na sempre, com a mesma frieza, apresenta-se com a arrogância de quem não tem tempo a perder com ninharias. Como se preparar-se para um dia inteiro fosse insignificante. Nunca devolvem um sorriso e não a contemplam. Logo ela que se preparou no seu melhor!

Por vezes, a cidade veste-se de raiva, acorda indisposta e por isso não cumpre o seu ritual. Não alinha a banda sonora, não alinha as tonalidades do dia. Quando a cidade está nesses dias, os sonhos ficam mais distantes, nada se alinha e o dia quase não se concretiza. Nesses dias os transeuntes ficam ainda com um semblante ainda mais pesado, com olhar caído e sem energia.

Nesses dias, a cidade sente-se infeliz.

Então, recupera forças e volta para o seu rigoroso, minucioso, e essencial ritual ao equilíbrio. Apesar de todos ignorarem o seu ritual a cidade sabe-o como importante. Vê-se como essencial para a felicidade dos que a atravessam. Apesar de não receber a ovação que sonhava, a cidade acostumou-se a viver na penumbra.

Hoje, sabe-se como uma maestrina da felicidade da Humanidade. Não lhe reconhecem valor, mas ela sabe o seu valor e isso deixa-a feliz.

Nota sobre a autora

O meu nome é Inês Pina.

Sou uma marrona que não gosta de estudar, uma preguiçosa trabalhadora e uma fala-barato solitária.

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