A cerejeira

Tudo o que respira cresce. 

Pensei nisto ontem, quando tentava cavar este buraco para plantar uma cerejeira basca no nosso jardim. 

Tudo o que respira cresce. 

Precisei de cavar muito para ter um buraco três vezes maior do que o vaso onde comprei a árvore, para as raízes poderem ter espaço para respirar. Espaço para abraçarem a terra onde vão ser plantadas. Espaço para crescer.  Pensei que este é também o segredo de um bom relacionamento. A apóteose de um relacionamento saudável. Qualquer tipo de relacionamento. Com a namorada, com o marido, com os filhos, com os amigos, com os colegas de trabalho. Temos de saber amar e cuidar, sem roubar espaço nem oxigénio aos outros. Temos de saber respeitar diferenças, ouvir verdades, aceitar tempos. Porque tudo o que respira cresce.

Tive vários namorados durante a minha juventude. Até fui casada antes de conhecer o camone. E hoje, quando olho para trás (nunca com arrependimentos, mas sim com uma gratidão imensa pelas aprendizagens que fiz), vejo que foi isso que faltou em todos os meus relacionamentos: oxigénio. Foram relações onde houve pouco espaço para se crescer individualmente e, por isso, a falta de oxigénio acabou por sufocar a relação.

Hoje vejo-me a partilhar uma vida com a mesma pessoa há dez anos. Dez anos de muitas aventuras, de muitas coisas boas (porque até as más acabaram por ser boas), dois filhos saudáveis e curiosos… E aquilo que para muitos é sempre uma queixa, a falta de apoio que sempre tivemos, porque nunca vivemos perto da família; a falta de tempo a dois combinada com o facto de termos engravidado da Gabriela 9 meses depois de nos termos conhecido; é para nós simplesmente a nossa realidade, desde sempre, e desde sempre que soubemos lidar bem com esta realidade, e demos sempre o nosso melhor para que essa realidade fosse encarada com gratidão em vez de queixume. E o segredo? O segredo é que sempre demos espaço um ao outro para podermos respirar e crescer individualmente. E isso fez-nos ganhar raízes muito fortes. Sempre soubemos encontrar cumplicidade e prazer nos momentos do dia-a-dia, mesmo com os filhos sempre por perto. Somos pessoas completamente diferentes, mas temos em comum o respeito pelo outro. Nunca tentei mudá-lo, porque aprendi a amá-lo da forma que ele é, e vice versa. Nunca houve e nem há espaço para ir jantar fora, mas há todas as semanas tempo para, pelo menos, um jantar a dois, depois dos miúdos irem para a cama. Há sempre tempo para rirmos um do outro e, um com o outro. Há sempre tempo para um filme, ou uns passos de uma dança parva no meio da nossa sala ainda cheia de pó. Há sempre tempo para falarmos do que nos apaixona enquanto pessoas distintas, e do que nos faz bater o coração enquanto casal. Não somos, de todo, a metade de cada um. Somos pessoas por inteiro, individualmente, que se gostam muito, que se admiram muito, e que se deixam ser quem são. Na verdade, continuamos a crescer juntos, porque nos deixamos respirar individualmente. 

Até o amor pode ser corrupto e roubar a si mesmo a sua verdadeira intenção. Até o amor sabe ser mentiroso, quando diz que protege exageradamente porque ama. E isto serve, mais uma vez, para qualquer relacionamento. Amor que é amor, com todos os seus tentáculos, sabe que é preciso dar espaço e deixar respirar para que as coisas bonitas cresçam. Como esta cerejeira.

 

Nota sobre a autora

Sofia Isabel Vieira, com 38 anos. Uma sonhadora vísceral, aventureira a tempo inteiro, e autora nas horas livres. A motivação para a escrita deve-se ao facto de ser uma contadora de histórias da vida que vejo acontecer à minha volta e dentro de mim. Acredito que #oamorcuratudo, e escrevo, todos os dias, em nome dele. 

Facebook 

Instagram

 

Partilhe nas Redes Sociais
FacebookTwitterPinterest

1 comentário em “A cerejeira

Deixe uma resposta

* Campos obrigatórios